Âmbito de jurisdição administrativa – Art.4º ETAF

Em primeiro lugar, a partir do art.4º ETAF, que consagra o âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos (que parece concretizar o art.112º/3 e, de certa forma, o art.268º/4 da CRP), consegue perceber-se que o legislador foi meticuloso na sua elaboração, desde logo por ter optado por consagrar uma delimitação positiva (que matéria está submetida à jurisdição administrativa – art.4º/1 e 2 ETAF) e uma delimitação negativa (que matéria está excluída de tal jurisdição – art.4º/3 e 4 ETAF).

Trata-se de um critério ampliativo, na medida em que parece que tudo se reconduz ao processo administrativo, mas esta opção permite que restem poucas dúvidas sobre o que está submetido à apreciação dos tribunais administrativos ou não, sendo adotado para o efeito também um critério material de atividade administrativa, que traduz o que pode ser considerado como atividade administrativa.

Um exemplo claro desta adoção é a al. c) do nº1 do art.4º, que tem em vista atos administrativos praticados por órgãos públicos que não integrem a Administração Pública em sentido orgânico. Ou seja, parece não ser relevante quem pratica o ato, mas sim se a sua natureza se pode reconduzir a atividade administrativa ou não.
Um outro exemplo existe na al. d) que, mais uma vez, não se interessa por quem pratica o ato, mas em que contexto é praticado. Isto é, não releva se são entidades públicas ou privadas a praticar o ato em questão, mas sim que este seja praticado no exercício de poderes de autoridade – ou seja, no exercício da função administrativa. Esta alínea tem, sobretudo, em vista as hipóteses de atos ou normas praticados por entidades privadas no exercício de funções públicas.

Verifica-se assim que o legislador se preocupou em garantir que é a natureza do ato, do ponto de vista funcional, que importa para perceber se deve estar submetido à jurisdição dos tribunais administrativos, e não de onde provém o ato, do ponto de vista orgânico.

Também neste âmbito, nos nºs 3 e 4 do art.4º são incluídas as situações em que não pode considerar-se que exista materialmente um ato administrativo. Salientamos duas alíneas[1] por um lado a alínea a) do nº3, respeitante a questões relativas a outras funções estaduais, que não a administrativa (respeitando-se assim o princípio da separação de poderes), e a alínea b) do nº4 quanto a questões de direito privado, em matéria de emprego.[2]

Uma palavra em relação à alínea a) do nº3, para referir que esta exclusão parece óbvia, mas não deixa de ser importante, uma vez que se atribuem aos tribunais administrativos o julgamento das ações de responsabilidade pelos danos causados no exercício da função legislativa, quando esta diga respeito a atividade de regulação técnico-económica, realizada por entidades administrativas “independentes”, tal como é esclarecido no Acórdão do STA de 06/03/2007.[3]

Já quanto à alínea b) do nº4, como refere VIEIRA ANDRADE, o objetivo desta alínea não é o de restringir a cláusula geral da competência da jurisdição administrativa, mas a mera exclusão da apreciação dos litígios emergentes do contratos individuais de trabalho que não impliquem uma relação jurídica de emprego público, ainda que as partes contraentes sejam pessoas coletivas públicas.[4]

Existe aqui uma “separação de jurisdições”[5], mesmo que haja pessoas coletivas públicas envolvidas em qualquer dos casos – quer constituam ou não uma relação de emprego público. Ou seja, o critério de distinção é a existência ou não de uma relação de emprego público e não o facto de estarem envolvidas pessoas coletivas públicas ou não.

Esta distinção pode ser problemática, tal como referiu VASCO PEREIRA DA SILVA em sede de aula teórica: o Direito laboral administrativo é constituído por normas de direito privado e normas de direito administrativo, mas a dimensão laboral, que é a fundamental, não põe em causa a relação administrativa em que se insere o particular. O facto de ser privado ou público, quando está em causa o exercício da administração pública, deixa, portanto, de ser relevante, logo, a distinção do art.4º/4, b) ETAF não faz sentido.

Em suma, verifica-se que, apesar de o art.4º ETAF ter sido bem conseguido de forma geral, quanto à concretização do âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos, adotando um conceito material de atividade administrativa, não deixa de levantar alguns problemas. Aqui deixamos aquilo que podemos dizer que é um exemplo da ponta do iceberg.

 

                                                                                              Ana Laura Santos, 57294

                                                                                              Sub 5, TA



[1] Sem prejuízo de a matéria em causa merecer tratamento muito mais aprofundado do que o que será possível nas circunstâncias em causa.

[2] Cfr. VIEIRA ANDRADE, José Carlos, A Justiça Administrativa, 10ª edição, Almedina, 2009, pág.122.

[3] Cfr. VIEIRA ANDRADE, José Carlos, A Justiça Administrativa, 10ª edição, Almedina, 2009, pág.122, nota de rodapé.

[4] Cfr. VIEIRA ANDRADE, José Carlos, A Justiça Administrativa, 10ª edição, Almedina, 2009, pág.123.

[5] Idem.


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