ARBITRAGEM NECESSÁRIA ou ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA? INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 476º do CÓDIGO DOS CONTRATO PÚBLICOS

 

O problema que se coloca relativamente ao artigo 476º CCP é saber se estamos perante uma situação de arbitragem voluntária ou necessária, ou seja, no fundo estamos perante uma questão de determinação de competência dos Tribunais Administrativos (mais amplamente um problema de âmbito de jurisdição), pois se concluirmos pela via da arbitragem necessária, então serão exclusivamente competentes, para dirimir litígios que se enquadrem no âmbito do preceito em causa, os Tribunais Arbitrais Administrativos. Caso se conclua que estamos perante um caso de arbitragem voluntária, então o sujeito poderá optar tanto por colocar o litígio perante um Tribunal Administrativo ordinário como perante um Tribunal Administrativo Arbitral.

Penso que é importante começar por enunciar a letra do preceito em causa: o artigo 476º CCP preceitua no seu nº 1 que o “recurso à arbitragem ou a outros meios de resolução alternativa de litígios é permitido, nos termos da lei, para a resolução de litígios emergentes de procedimentos ou contratos aos quais se aplique o presente Código”. No seu no nº 2 vem prever que se a entidade adjudicante escolher a arbitragem para dirimir conflitos emergentes de procedimentos ou contratos aos quais se aplique o Código dos Contratos Públicos deve prever obrigatoriamente:

               - alínea a): “A aceitação por parte de todos os interessados, candidatos e concorrentes, da jurisdição de um centro de arbitragem institucionalizado competente para o julgamento de questões relativas ao procedimento de formação do contrato.”

               - alínea b): “A necessidade de aceitação, por parte do cocontraente, da jurisdição do centro de arbitragem institucionalizado para a resolução de quaisquer conflitos relativos ao contrato”.

Nota ainda que da conjugação dos artigos 180º/1/a) CPTA e 212º/3 CRP, podemos retirar que os tribunais arbitrais administrativos têm competência para decidir questões atinentes a procedimentos ou contatos, visto que resulta dos dois preceitos enunciados que não estamos perante um caso de competência exclusiva dos Tribunais Administrativos quanto a estas matérias.

Cabe agora apresentar algumas posições quanto à interpretação do artigo em causa. O Professor João Tiago Silveira [1] defende que não se pode retirar do preceito em causa que esteja em causa um caso de arbitragem necessária. O Professor argumenta que como a entidade adjudicante pode optar por escolher se opta por esta forma de resolução de litígios ou não, não estamos perante um caso de arbitragem necessária, pois há sempre a possibilidade de escolha para a entidade adjudicante. Ou seja, como o Professor refere, no fundo há a hipótese de o interessado rejeitar a via da arbitragem, estando nós, portanto, perante uma situação de arbitragem voluntária.

Já para o Professor Tiago Serrão [2] tem uma posição diferente. Para o Professor, estamos perante uma situação de arbitragem necessária, argumentando que a partir do momento em que a entidade adjudicante escolhe a arbitragem para a resolução do conflito, os candidatos, concorrentes e cocontraentes não têm outra alternativa que não seja a de aceitar a opção da entidade adjudicante, caso contrário a sua proposta será rejeitada. Seguindo o Professor TIAGO SERRÃO, penso que seria possível colocar aqui uma importante questão: será que estamos verdadeiramente perante uma situação de arbitragem necessária quando não é a lei que impossibilita (pelo menos, não diretamente) o acesso aos tribunais estaduais? Pois de facto o que impede a possibilidade de se recorrer aos tribunais estaduais, não é diretamente a lei, como já referi, mas sim a hipótese de escolha que é dada às entidades adjudicantes de poderem escolher que o litigio seja dirimido num tribunal arbitral administrativo .[3]

Tem em conta tudo o que foi exposto, apesar de os argumentos de que estamos perante uma situação de arbitragem necessária, quando interpretamos o artigo 476º CCP, serem argumentos relativamente fortes e sólidos no sentido que de facto a partir do momento em que a entidade adjudicante se decidir que os litígios sejam resolvidos/dirimidos por um Tribunal Administrativo, os interessados passam a não ter qualquer liberdade de escolha, pois ficam, de certo modo, obrigados a aceitar esta escolha feita pela entidade adjudicante, penso que, no fundo, estamos perante uma situação de arbitragem voluntária, pois como refere o Professor João Tiago Silveira, no fundo a entidade adjudicante pode optar por esta forma de resolução de litígios ou não, ou seja, a lei faculta a possibilidade de escolha – a lei não impõe de forma absoluta que se opte pela via arbitral para se dirimir os litígios emergentes do contrato em causa.

Logo, penso que a melhor interpretação do artigo 476º CCP é que estamos perante um caso de arbitragem voluntária.

 

[1] J. TIAGO SILVEIRA, “A arbitragem e o artigo 476º na revisão do Código dos Contratos Públicos”, in Revista de Direito Administrativo

[2] TIAGO SERRÃO, “Considerações Sumárias sobre a arbitragem no CCP revisto”, in Revista de Direito Administrativo nº 1

[3] MARCO CALDEIRA E TIAGO SERRÃO, “As arbitragens pré contratuais no Direito Administrativo português: entre a novidade e o risco de inefetividade”

 

 

 

 

 

 

Nuno Miguel Ramos Pires

Aluno n.º 57311

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