O Âmbito da Jurisdição Administrativa e breve análise do Contencioso Contra-ordenacional

1. Introdução:

Importa primeiramente referir que na nossa ordem jurídica existem duas jurisdições, a jurisdição administrativa e a jurisdição judicial (art. 209º da CRP), sendo que esta última acabava por dominar a maioria da resolução dos litígios, tendo a jurisdição administrativa poucas questões a resolver. Contudo após a Reforma de 2002-2004 a perspetiva sobre a jurisdição administrativa mudou radicalmente, começando a ser atribuída a esta cada vez mais relevância, uma vez que com esta reforma surgem dois diplomas: o ETAF, e em especial o seu artigo 4º, que alarga o âmbito do contencioso administrativo a todas as relações administrativas e o CPTA). O ETAF estabelece que tudo o que corresponda a qualquer forma de atuação administrativa é possível de ser tutelado nesta jurisdição.


2. O Âmbito da Jurisdição Administrativa e o art. 4º do ETAF

Este artigo ultrapassou as visões clássicas do contencioso administrativo, no sentido em que o legislador adotou todos os critérios para introduzir na jurisdição administrativa tudo o que são relações de natureza administrativa. Veio conciliar o universo do contencioso com o universo do Direito Administrativo, que era uma realidade que até aí estava desencontrada. Isto é, em 2004 misturaram-se todos os critérios e tudo podia entrar no Contencioso Administrativo. 

A competência em razão da jurisdição responde à questão de quando é que uma ação deve ser proposta perante a jurisdição administrativa e fiscal ou perante os tribunais judiciais. A regra para proceder a esta repartição é dada pelos artigos 211º/1 e 212º/3 da CRP, em que é apontado que à jurisdição administrativa pertence o que pertence ao Direito Administrativo e quanto às restantes matérias estas pertencerão aos Tribunais Judiciais. Estes artigos estabelecem um núcleo essencial, sendo que pode ser possível serem julgadas questões administrativas nos tribunais judiciais, especialmente aquelas situações de fronteira, uma vez que não existe uma reserva absoluta, sendo que até recentemente era algo frequente por os tribunais administrativos não se encontrarem muito desenvolvidos e organizados. Temos neste sentido o exemplo dos litígios contra-ordenacionais. É assim estabelecido um dever dos tribunais administrativos, em que devem julgar as questões emergentes de relações jurídicas administrativas, mas nos casos em que tal não é possível podem sempre ser remetidas para os tribunais judiciais. Contudo estas disposição não eram suficientes, e foi necessária uma maior densificação do âmbito de jurisdição administrativa, e tal foi feito pelo legislador ordinário nos artigos 1º e 4º do ETAF. O art. 4º do ETAF concretiza o art. 212º\3 da CRP (em especial através da regra geral do art. 4º/1 o.), contudo na prática só um universo residual de situações é que implica resolver a questão da delimitação do âmbito da jurisdição por aplicação direta do critério da relação jurídica administrativa (4º/1 o.). Este artigo dispõe de uma lista de matérias que alargam o núcleo essencial do critério estabelecido previamente na CRP. Segundo Viera de Andrade, o artigo 4º do ETAF consagra o princípio segundo o qual as leis que regulam o contencioso administrativo não pretendem ser exaustivas. 


3. A Delimitação Negativa:

A delimitação negativa da jurisdição administrativa encontra-se no art. 4º\3 e 4 do ETAF, e este limita-se a explicitar o critério do art. 212º\3 crp, identificando tipos de litígios que se encontram excluídos do âmbito de jurisdição administrativa. Sendo que a questão mais controversa neste âmbito, será em princípio, a da alínea b.), havendo várias críticas por parte da doutrina nacional ao facto de se excluírem da jurisdição administrativas as relações laborais públicas. O professor Vasco Pereira da Silva acha estranho tal facto, uma vez que estas são Direito Administrativo, e tratam de relações estado-empregador público, e aponta ainda uma critica no sentido em que se devia transferir todo o “direito laboral administrativo” para a jurisdição administrativa ou para os tribunais judiciais. Este artigo (4º/4 do ETAF) introduz verdadeiras restrições ao critério da relação administrativa, excluindo do âmbito da mesma, tipos de litígios que, de outro modo, seria de entender que nela estariam incluídos.


4. O Contencioso Contra-ordenacional e o Artigo 4º/1 al. l.) do ETAF

Neste sentido importa referir que estas são tipicamente matéria de contencioso administrativo, pelo que as contra-ordenações destas realidades deviam estar nos Tribunais Administrativos. Na alínea i.) o legislador reduziu o âmbito da jurisdição administrativa apenas às contra-ordenações de urbanismo, sendo visto como uma interpretação limitativa. Contudo há quem defenda que o que não estiver no âmbito das restantes alíneas e seja administrativo pode entrar pela alínea o.), pelo facto destas alienas não terem uma função de excluir ao serem taxativas. Os tribunais administrativos têm também aceite matérias de ambiente neste sentido, uma vez que muitas dessas normas estão em regras urbanísticas. Já o resto do contencioso contra-ordenacional fica submetido aos Tribunais Judiciais. O legislador assumiu o reconhecimento da natureza administrativa dos litígios sobre o ilícito de mera ordenação social, reconhecendo aos tribunais administrativos o poder de fiscalizarem esses atos, mas, devido às insuficiências da rede dos tribunais administrativos, não atribui em bloco competência genérica sobre esses litígios à jurisdição administrativa, reduzindo-a apenas ao urbanismo. A doutrina nacional entende que tal se deve pelo facto de o contencioso contra-ordenacional ser muito levado e para manter a decisão célere tem de se manter nos tribunais judiciais, que existem em muito maior número. Esta é a razão do legislador colocar matérias do âmbito administrativo nos tribunais judiciais, funciona como garantia da tutela jurisdicional efetiva do art. 20º\4 da CRP.


5. Conclusão:

A existência da jurisdição administrativa e fiscal explica-se por razões históricas e surge, principalmente devido à vastidão e complexidade do universo das relações jurídicas que são disciplinadas pelo Direito Administrativo e Fiscal. Surge assim uma maior especialização dos juízes administrativos, uma vez que se encontram mais preparados para a resolução de litígios administrativos. E é ainda de salientar que se atenua a cumulação de vários processos judiciais, sendo estes agora repartidos pelas várias jurisdições. Além do contencioso administrativo se ter tornado de plena jurisdição, tornou-se também um direito de mais certezas e seguranças, não só para os particulares como para os juízes de ambas as jurisdições. 


Carolina Porto da Silva 

Nº de aluno: 59146


Bibliografia:

“A Justiça Administrativa – Lições”, Vieira de Andrade.

Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Coimbra, 2013.


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