99º, n.º 2 do CPTA: uma restrição ilegítima ao direito fundamental de acesso aos tribunais administrativos?
Em 2015, com a aprovação do DL 214-G/2015, o legislador introduziu no contencioso administrativo um novo meio processual urgente: o contencioso dos procedimentos de massa. Este tipo de processo, de acordo com o plasmado no artigo 99º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, compreende as ações “respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos seguintes domínios: concursos de pessoal; procedimentos de realização de provas; e procedimentos de recrutamento”.
O legislador, no artigo 99º número 2, consagrou um prazo de um mês para intentar esta ação (afastando o regime-regra de 3 meses – artigos 58º e 69º do CPTA). Numa primeira análise, parece que esta redução do prazo geral se coaduna com a natureza urgente do procedimento. A ratio deste tipo de ação urgente é fornecer uma “resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa, em domínios como os dos concursos na Administração Pública e da realização de exames, com um elevado número de participantes. O novo regime dos procedimentos de massa visa assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes nestes procedimentos pretendam deduzir no contencioso administrativo”, como se pode ler no preâmbulo deste decreto-lei1.
No entanto só mesmo numa primeira e superficial análise é que esta redução de prazo se afigura coerente. Ora, o prazo de um mês para intentar a ação não tem como resultado uma resolução mais célere do litígio, na medida em que este prazo de um mês estabelece apenas o período temporal dentro do qual os interessados têm legitimidade para exercer o seu direito à ação2. Assim, este encurtamento do prazo não garante uma tramitação mais célere, como parece fazer crer à primeira vista, pois não está em causa um prazo que regule a marcha processual.
Questiona-se, portanto, se este prazo de instauração mais curto será legítimo na medida em que resulta não só numa restrição do direito fundamental dos particulares de acesso aos tribunais administrativos como, também, numa limitação temporal do controlo jurisdicional sobre a conformidade jurídica das decisões da Administração3.
Se o artigo 99º número 2 não resulta, como se disse, numa aceleração da tramitação processual, então parece que esta disposição só poderá ter como objetivo consolidar, no prazo encurtado de um mês, os efeitos das decisões administrativas. Importa, assim, chamar aqui à colação o instituto do caso decidido, instituto introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo Prof. Marcello Caetano. Este Professor defendia que o caso decidido consistia numa sanação do ato inválido na ordem jurídica, passando um ato inválido a ser válido na medida em que não foi tempestivamente impugnado4. Consequência esta que o Prof. Regente Vasco Pereira da Silva apelida de “milagre das rosas”5.
Ora, se é verdade que o instituto de caso decidido fornece uma maior estabilidade e segurança jurídica, na medida em que, com o ato decidido, fica definida a situação jurídica do administrado e, com a dele, a da Administração6, também é verdade que este fundamento não pode ser invocado para limitar a força normativa da legalidade administrativa, nem para ser usado como que um “privilégio público” da Administração7.
Além disso, estando em causa procedimentos em massa, este fundamento de maior estabilidade para justificar uma prazo de instauração da ação mais reduzido, iria consubstanciar uma vantagem para uns e uma desvantagem para outros (exatamente aqueles que ficariam prejudicados pelo ato administrativo).
Assim, entende-se que o recurso ao prazo de um mês para intentar a ação do artigo 99º, número 2, só fará sentido se a Administração conseguir fundamentar que se está, efetivamente, perante uma situação de excecional urgência e que a resolução do litígio através do prazo geral de 3 meses não acautela os interesses públicos subjacentes.
1 Preâmbulo do Decreto-Lei 214-G/2015.
2 HONG CHENG LEONG, Os Processos de Contencioso dos Procedimentos de Massa, Processo Administrativo, Jurisdição Administrativa e Fiscal (setembro 2020) , página 71.
3 Ibid.
4 MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo – Tomo II, 9.a Edição, 2.a Reimp. (1983) Coimbra, Almedina.
5 VASCO PEREIRA DA SILVA, Revisitando a Questão do Pretenso “Caso Decidido” no Direito Constitucional e no Direito Administrativo Português, in Estudos em Homenagem ao Prof. Jorge Miranda, vol.III, Coimbra (2012), página 799.
6 Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 07/07/1998, Processo 036472.
7 HONG CHENG LEONG, Os Processos de Contencioso dos Procedimentos de Massa, Processo Administrativo, Jurisdição Administrativa e Fiscal (setembro 2020) , pág., pág. 73.
Inês Macedo Rodrigues dos Santos
4º Ano | Turma A | Subturma 5
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