Ação de Impugnação de Ato Administrativo: Winterfell procura evitar a Nacionalização das suas Ações na Efacec

    A ação de impugnação está prevista no art. 50º/1, CPTA e visa anular ou declarar a nulidade de determinado ato. Procura-se, portanto, eliminar o ato administrativo do ordenamento.   

    Para que seja possível esta ação é necessário que haja um ato administrativo (art. 148º, CPA), que constitui o objeto da mesma, pelo que sempre que haja ato administrativo temos, em princípio, ato impugnável – art. 51º, CPTA. Para configurar um ato administrativo é necessário que este configure uma decisão que defina uma linha de conduta de acontecimentos futura.

    A impugnabilidade de atos administrativos não depende da forma como foram praticados – art. 268º/4, CRP – podendo estes ser impugnáveis quando inseridos num decreto-lei como é o caso – Decreto-Lei n.º 33-A/2020 [1]. Isto porque, embora o ato seja formalmente legislativo, no seu conteúdo dispõe de decisões verdadeiramente administrativas, pelo que não seria um caso do art. 4º/3/a), ETAF.

    

    Neste caso, pretende-se impugnar um ato administrativo que procede à apropriação pública, por via da nacionalização, da participação social correspondente a 71,73% do capital social da Efacec Power Solutions, SGPS, S.A., detida pela Winterfell 2 Limited[2]

    A apropriação pública traduz-se na possibilidade do Estado, por decreto-lei, tomar para si, no todo ou em parte, participações sociais de pessoas coletivas privadas quando por motivos excecionais e devidamente fundamentados, tal se demonstre necessário para salvaguardar o interesse público – Lei n.º 62-A/2008, Lei-Quadro das Reprivatizações – Lei n.º 11/90 e art. 198º/1/a) e c), CRP.

    A apropriação, no caso em apreço, é justificada por diversos problemas na estrutura acionista da Efacec que comprometeram o exercício dos direitos inerentes às participações que correspondem à maioria do capital da empresa, prejudicando a sua situação financeira, nomeadamente com o impacto da pandemia COVID-19. Pelo que para proceder à reestruturação de uma empresa de elevado interesse público e importância económica nacional, o Estado entendeu que devia intervir.

    São, contudo, garantidas indemnizações àqueles que eram os titulares das participações sociais da pessoa coletivas e aos previstos no art. 4º e 5º, Regime Jurídico de Apropriação Pública, Lei n.º 62-A/2008.


    Para impugnar o ato é necessário que haja legitimidade processual ativa do autor, e consequentemente, um interesse direto e processual – art. 55º/1/a), CPTA. A legitimidade, neste caso da Winterfell, deve ser averiguada nos termos do art. 55º, CPTA e não apenas nos termos do art. 9º/1, CPTA, uma vez que há que atentar na solução especial do CPTA para ações de impugnação. 

    Desta forma, é necessário que haja alegação de um interesse direto e pessoal, de que derive uma lesão de direitos ou interesses – art. 55º/1/a), CPTA [3]. Será, portanto, necessário que a Winterfell tenha de retirar da anulação ou declaração de nulidade deste ato uma utilidade própria. Já o fundamento desta ação tem de ser um interesse não eventual, mas sim efetivo e atual que justifique o recurso à impugnação. Para aferir melhor o interesse aqui exigido podemos utilizar como parâmetro de definição de âmbito o art. 39º, CPTA.

    As causas que justificam a ação de impugnação são, sumariamente: o facto de apenas as ações da Winterfell terem sido nacionalizadas, não incluindo os restantes 28,27%; o caráter temporário da nacionalização destas ações visto que serão de imediatas revendidas a privados no mercado; a ausência de audiência prévia da Winterfell, ao contrário dos outros acionistas, que constitui uma violação do princípio da igualdade do direito de estabelecimento e do direito de circulação de capitais – art. 49º e 65º, TUE; ausência de audiência prévia dos titulares de direitos de penhor sobre as ações nacionalizadas, afetando os contratos e mútuo bancário da empresa; ausência de fundamentação do ato nacionalizador, pois que não houve concretização de factos que demonstrassem a verificação do interesse público na nacionalização, havendo antes uma evocação de falsos pressupostos; inexistência de legislação que permita ao Governo intervir na gestão de empresas privadas, procedendo a atos ablativos do direito de propriedade sobre ações e sua imediata transmissão para outras entidades privadas e violação do regime jurídico da apropriação devido ao facto de confiscar ações de um particular sem ter por base a prossecução de fins essenciais ao Estado.


    Resta-nos saber a quem pertencerá a legitimidade passiva no caso em análise, tendo em conta o art. 10º/1 e 2, CPTA. Nas situações que envolvem Conselho de Ministros, a questão da legitimidade passiva não tem sido muito clara, nem sequer pacífica. Segundo o art. 10º/2, CPTA, quando esteja em causa um processo contra o Estado, que se reporte à ação de órgãos integrados nos respetivos ministérios, a parte demandada é o ministério a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados. O que releva então saber é se o Conselho de Ministros poderá ser equiparado a um Ministério para estes efeitos. Poder-se-ia colocar a hipótese de demandar o Conselho de Ministros, sendo que nesse caso a Secção de Contencioso Administrativo do STA teria competência para conhecer do processo – art. 24º/1/a)/iii), ETAF.

    Porém, o emissor do ato que se pretende impugnar (Decreto-Lei 33-A/2020) foi, na verdade, a Presidência do Conselho de Ministros, pelo que deverá ser esta a ser demandada – art. 10º/2, CPTA – e por essa razão, terá competência para conhecer do processo o Tribunal Administrativo de Círculo – art. 44º, ETAF. 

    Caso tenha sido demandado o Conselho de Ministros em vez da Presidência do Conselho de Ministros, será provável que o Tribunal não conheça do pedido e absolva o réu da instância, por considerar que existe uma exceção dilatória – art. 87º/1/a) e nº 2 e 89º/1, CPTA, tal como sucedeu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 04/07/2016, cuja relatora foi Helena Canelas.

    Ainda assim, e demonstrando a divergência quanto a esta questão, verifica-se no mencionado acórdão a existência de um voto vencido, onde se considera que “os actos do Conselho de Ministros devem ser imputados à Presidência do Conselho de Ministros, pelo que, tendo a presente acção sido intentada contra o Conselho de Ministros, e por força do disposto nos arts. 10º n.º 4 e 78º n.º 3, ambos do CPTA, a mesma considera-se interposta contra a Presidência do Conselho de Ministros.” [4]

    Por norma, o ónus de impugnação do ato administrativo é do destinatário do mesmo, porém existem algumas exceções, como no caso em apreço. Quando o ato impugnável se encontre num ato legislativo, os interessados na impugnação podem não se aperceber da impugnabilidade do ato, pelo que lhes é permitido expirar o prazo legal previsto de impugnação – art. 52º/2, CPTA [5]. Ora, sendo este um ato administrativo praticado sob a forma de decreto-lei, o eventual não exercício de direito de impugnar não obstaria à impugnação dos seus atos de execução ou aplicação.


Inês Domingos Pinto Ervedoso Gonçalves

Turma A, Subturma 5

Nº: 58582


[1] https://dre.pt/home/-/dre/137126910/details/maximized

[2] https://www.dn.pt/dinheiro/isabel-dos-santos-tenta-impugnar-nacionalizacao-da-efacec--12771840.html

[3] AROSO DE ALMEIDA, Mário, Manual de Processo Administrativo, 2016, 2ª edição, Almedina, páginas 219-221

[4] http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/e4218029b5311aac80257f9c0045f28f?OpenDocument

[5] AROSO DE ALMEIDA, Mário, Manual de Processo Administrativo, 2016, 2ª edição, Almedina, página 275


 

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