Algumas problemáticas sobre Arbitragem Institucionalizada e o Direito à Arbitragem Administrativa

 

Segundo TIAGO SERRÃO e DIOGO CALADO , Portugal encontra-se, aos nossos dias, dotado de um quadro legislativo adequado a tornar a arbitragem de direito administrativo um meio cada vez mais comum de resolução de litígios jurídico-administrativos. No a que nós nos toca, consideramos que tal timidez no recurso à mesma, se deve[1] ao conflito que se pode gerar entre a arbitrabilidade e a autoridade inerente à atividade da Administração Pública e o interesse público que a mesma visa prosseguir, ou seja,” como compatibilizar (…) estes valores com a submissão a entidades privadas- os árbitros- a dirimição de litígios que se manifestem conflituantes com os interesses privados?”[2] 

 Além do recurso à Arbitragem ter assento constitucional[3], ao contrário do que acontece noutros Ordenamentos Jurídicos, a CRP consagra a natureza jurisdicional dos tribunais arbitrais[4]. Em suma, por tribunais administrativos, deve entender-se os tribunais permanentes do Estado e os tribunais (administrativos) arbitrais que venham a ser constituídos.

Da leitura do art. 2/4 da LAV[5] conseguimos perceber que não existe em matéria administrativa, uma norma de permissão geral de arbitragem, ou seja, para haver um recurso à mesma, as partes não só tem que celebrar uma convenção arbitral[6], como estão dependentes que a lei  permita a sua celebração. [7]

No 180º do CPTA ( ainda que “sem prejuízo do disposto em lei especial”) elencam-se as matérias que podem ser julgadas por tribunais arbitrais. Já o artigo 182º estabelece o direito à outorga de compromisso arbitral, ou seja, o interessado que pretenda recorrer à arbitragem pode exigir da Administração a celebração de compromisso arbitral, nos casos e termos previstos na lei. Sufragamos nós a doutrina[8] que reconhece que esta disposição não se aplica por si própria, carecendo então de uma lei especial, onde se identifiquem os tipos de litígios em relação aos quais pode haver esse direito. Todavia, volvidos mais de 10 anos, essa lei nunca foi criada[9].

Se nenhum problema se levanta nos litígios de fonte contratual, não podendo a Administração Pública “impedir a realização da arbitragem sob pena de incumprimento do contrato”, o mesmo não acontece com os litígios provenientes da legalidade de atos administrativos que dependem da outorga ad hoc de um compromisso arbitral.

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA considera que a abertura da arbitragem no que concerne a estes litígios passa pelo incremento da Arbitragem Institucionalizada. Embora congratule o CAAD[10] pelo papel relevante que tem desempenhado no âmbito da Arbitragem institucionalizada de Direito Público, advoga a não concentração exclusiva da mesma no CAAD, defendendo “através de parcerias entre várias autarquias locais, a constituição de centros de arbitragem de Direito Administrativo de âmbito local”[11]. Refere ainda que, se  pode reconhecer aos centros já existentes a possibilidade de funcionarem também como centros de arbitragem de litígios de direito administrativo.[12] Este defende ainda que, a arbitragem de Direito Administrativo só pode ter lugar no âmbito de centros de arbitragem institucionalizada[13]

Humildemente, não partilhamos da mesma opinião que o Autor, sufragamos a necessidade urgente da criação da lei para a qual o artigo 182º remete (I). Dado que , a criação sem mais dos centros e a acreditação de tantos outros, não resolveria o problema, por uma questão: o recurso aos mesmo pressupõe a vinculação das entidades públicas/serviços do estado à sua jurisdição[14], o que ficará sempre na sua “consideração”. Claro está que, poder-se-ia adotar aqui a solução dada por MÁRIO AROSO DE ALMEIDA: “imposição às categorias de entidades públicas e serviços do Estado envolvidas o dever de se vincularem a centros de arbitragem institucionalizada”[15]- isto aquando a criação da tal lei para a qual o art. 182º remete.

Embora não sejamos contra a  criação/acreditação de tais centros, não consideramos que a solução do problema passe pela institucionalização da arbitragem, tal como a sua credibilidade também não o passa.

Qual a necessidade de fazer tamanho investimento monetário, quando se pode resolver o problema com a criação de um lei? Ainda no seio dessa mesma lei poder-se-ia estabelecer um quadro normativo que garanta a real especialidade dos árbitros[16](III), bem como regras quanto ao processo arbitral(II).).[17]

Atenção, MÁRIO AROSO de Almeida também defende cada um dos pontos anteriormente explanados (a saber: I , II e II supra), mas no quadro de uma arbitragem institucionalizada, considerando que se pode sufragar aquilo que por nós é sufragado, todavia “vê com muita dificuldade que a aplicação dessas regras[18] possa ser assegurada de modo efetivo no âmbito de arbitragens ad hoc”. Para tal, poder-se-ia criar um organismo independente que se certificasse que as mesmas eram aplicadas.[19]  


                                                                            Maria Inês Vila Boa nº 58305 





Bibliografia: 

Centro de Arbitragem Administrativa « https://www.caad.org.pt/»

MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, A Arbitragem no projecto de Revisão do CPTA  in Revista Julgar, s/l, s/ed, (s/data) « http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/05/JULGAR-26-05-Margarida-O-Cabral-Arbitragem-novo-CPTA.pdf»

 MARIA DO ROSÁRIO ANJO e PATRÍCIA ANJOS AZEVEDO, Arbitragem Administrativa e Tributária: a solução adotada em Portugal, s/l, s/ed (s/data) « http://repositorio.uportu.pt/xmlui/bitstream/handle/11328/2377/Arbitragem%20Administrativa%20e%20Tribut%C3%A1ria_a%20solu%C3%A7%C3%A3o%20adotada%20em%20Portugal.pdf?sequence=1&isAllowed=y»

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 4º Ed, (junho de 2020)

MANUEL PEREIRA BARROCAS, Notas Sobre Arbitragem Administrativa no Direito Português, Lisboa, s/ed (outubro de 2017)  

«http://barrocas.com.pt/publ/Notas_sobre_Arbitragem_Administrativa_no_Direito_Portugues.pdf»

TIAGO SERRÃO e DIOGO CALADO, A arbitragem de direito administrativo, em Portugal: uma visão panorâmica, s/l, s/ed ( 2019)



[1] Também, mas não só

[2] MANUEL PEREIRA BARROCAS, Notas Sobre Arbitragem Administrativa no Direito Português, Lisboa, s/ed (outubro de 2017) p.6

[3] neste sentido os artigos 212/3º e 209/2º CRP.

[4] Neste sentido Sérvulo Correia.

[5] Importante nesta matéria é a LAV, para a qual o CPTA remete, ainda que com as devidas adaptações, ora veja-se o art. 181º/1.

[6] Não nos podemos esquecer que em matéria administrativa, a arbitragem é tão somente voluntária

[7] Lei essa que não será a LAV, mas sim a própria lei administrativa

[8] Também neste sentido MARGARIDA OLAZABAL CABRAL

[9] Segundo MARGARIDA OLAZABAL CABRAL as razões de tal inércia são diversas, mas destaca-se: a falta de consenso sobre a consagração de um tal direito, bem como os limites em que deve ser atribuído. Ademais, a Autora considera que o espírito da disposição contraria o caracter voluntário da Arbitragem Administrativa. Todavia, na nossa humilde opinião, talvez tal fosse um mal necessário: não nos esqueçamos que os particulares não estão, por mais que alguns o possam contrariar, na mesma posição da Administração, não tem os mesmos conhecimentos, carecem de proteção.

[10] Centro de Arbitragem Administrativa

[11] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 4º Ed, (junho de 2020) p.544

[12] Segundo o Autor como estabelece o art. 187º/1.

[13] Segundo o Autor, só no quadro de uma arbitragem institucionalizada haverá condições para assegurar que os tribunais arbitrais que julgam litígios de Direito Administrativo são tribunais administrativos arbitrais, que procedem à aplicação do Direito Administrativo em condições paralelas àquelas em que, no seu lugar, procederiam os tribunais administrativos

[14] Ou seja, à Jurisdição dos Centros.

[15] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 4º Ed, (junho de 2020) p.544

[16] Ideia também defendida por DIOGO CALADO e TIAGO SERRÃO

[17] Até que ponto esta lei não poderia ser a Lei da Arbitragem Administrativa que há tanto se espera e sobre a qual até já há um projecto?

[18] Ponto II e III

[19] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA sufraga uma ideia igual só que no âmbito da arbitragem institucionalizada, de modo a garantir o controlo na certificação/criação dos centros.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A tutela cautelar no Contencioso Administrativo: análise geral da figura e comparação com o regime do Processo Civil

A resolução fundamentada: uma insistência no erro?

Análise do artigo 10º do CPTA: Legitimidade Passiva das Entidades Públicas