CONDENAÇÃO
À PRÁTICA DE ATOS ADMINISTRATIVOS (ARTIGOS 68º e ss. CPTA) e A SUA ARTICULAÇÃO COM OS PODERES DE
PRONÚNCIA DOS TRIBUNAIS (ARTIGO 71º CPTA)
A Reforma do Contencioso
Administrativo trouxe uma mudança significativa no que toca à função
delimitadora, atribuída aos Tribunais, da margem de livre apreciação da
Administração. Sendo que um dos pontos onde tal mudança se manifesta é no
artigo 71º/2 do Código do Procedimento Administrativo (doravante “CPTA”).
Penso que é agora relevante
introduzir o regime da “Condenação à prática de ato devido” – o mesmo encontra-se
estabelecido nos artigos 66º e seguintes CPTA. Este tem como objetivo obter a condenação
da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato
administrativo ilegalmente omitido ou recusado. Na ótica do Professor Vieira de
Andrade esta obrigação legal abrange tanto os atos legalmente devidos como os
atos devidos por contrato, por sentença ou até os devidos por outro ato.[1]
Continuando a análise do
regime, o artigo 67º CPTA vem enumerar os pressupostos/requisitos processuais
da condenação à prática de atos administrativos. Enquanto o artigo 68º do mesmo
diploma trata da matéria da legitimidade, tendo legitimidade ativa os sujeitos
enumerados no nº 1 desse mesmo preceito; já quando à legitimidade passiva há
que atentar no disposto no artigo 68º/2 CPTA.
Quanto à matéria de
prazos, há que atentar no disposto no artigo 69º CPTA, sendo que nos termos do
nº 1 desse preceito, se tiver havido inercia do órgão competente o prazo de
ação é de um ano, sob pena de caducidade. Aqui seguindo o entendimento do
Professor Regente Vasco Pereira da Silva[2], não seria admissível uma
situação na qual a Administração pudesse vir a ser condenada vários anos depois
do incumprimento do dever em causa. Já nos termos do artigo 69º/2 CPTA, nos
casos de indeferimento o prazo é três meses, sendo que para o Ministério
Público o prazo volta a ser de um ano, e se estivermos perante uma ação pública
em que haja omissão o prazo é, também de um ano, e de três meses nos restantes
casos.
Analisado o regime da
Condenação à prática de atos, em concreto, cabe agora analisar o teor do artigo
71º CPTA e de como este influencia o regime deste tipo de ação.
Cabe, desde já, ter presente
um ponto muito importante, o Tribunal não pode em caso algum intrometer-se no
espaço que corresponde aos poderes discricionários da Administração, ou seja,
deve haver um respeito pelo princípio da separação de poderes, que se encontra previsto
no artigo 3º/1 CPTA.
O artigo 71º CPTA (“Poderes
de pronúncia do tribunal”) estabelece o seguinte:
1 - Ainda que o requerimento
apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada,
(…) mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado,
impondo a prática do ato devido.
2
- Quando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações
próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto
não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o
tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar
as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.
3
- Quando tenha sido pedida a condenação à prática de um ato com um
conteúdo determinado, mas se verifique que, embora seja devida a
prática de um ato administrativo, não é possível determinar o seu conteúdo,
o tribunal não absolve do pedido, mas condena a entidade demandada à emissão do
ato em questão, de acordo com os parâmetros estabelecidos no número anterior.
Analisando o disposto no
artigo 71º/1 CPTA: tendo em conta o disposto na parte final do preceito ( “(…)
impondo a prática do ato devido”) o tribunal condenará a administração à
prática de um ato administrativo, ou seja, o Tribunal irá exigir à
Administração a prática do ato devido através de uma condenação, e esse ato
terá de ter um determinado conteúdo densificado[3].
De acordo com o Professor
Mária Aroso de Almeida[5], para que esta condenação se verifique,
têm de estar preenchidos certos pressupostos: (i) ilegalidade da recusa ou a omissão
do ato; (ii) necessidade de (pré)determinação do conteúdo do ato. Contudo é de
salientar que também é admissível a condenação da Administração à prática de um
ato administrativo de conteúdo discricionário, todavia, nestes casos, o
tribunal tem de traçar um quadro dentro do qual a Administração poderá exercer
o seu poder, basta atentar no disposto do artigo 71º/2 CPTA.
Contudo pode o Tribunal
limitar o poder discricionário da Administração a “quase nada”, seguindo a
opinião e posição do Professor Mário Aroso de Almeida, se interpretarmos o
artigo 71º/2 CPTA a contrario: poderá o Tribunal, por completo, o
conteúdo do ato a praticar pela Administração sempre que a apreciação do caso
concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível[6].
Por fim, quanto ao artigo
71º/3 CPTA: quando seja pedida a condenação à prática de um ato com um conteúdo
determinado, mas se verifique que não é possível determinar esse mesmo
conteúdo, o tribunal não pode absolver do pedido, mas condena a Administração
(entidade demandada) à emissão do ato, tendo em conta o estabelecido no artigo
71º/2 CPTA, e cujo conteúdo já analisámos.
Podemos agora tirar uma
conclusão importante, quando o particular propõe uma ação de condenação à
prática de um ato, o Tribunal não fica limitado a observar se a recusa do ato
ou a inércia da Administração foi ilegal, tendo mesmo a competência de
observar do mérito do pedido do particular, e dessa análise do mérito
decidir condenar ou não a Administração e ao mesmo tempo estabelecer balizas ao
poder discricionário da mesma.
Ou seja, as sentenças de
condenação nesta matéria não se devem limitar a cominar a prática de um ato administrativo,
mas, ao mesmo tempo, devem circunscrever , em concreto, o âmbito e o limite das
vinculações legais.
[1] VIEIRA DE ANDRADE, José
Carlos, “A Justiça Administrativa”, 17ª Edição, Almedina 2019
[2] PEREIRA DA SILVA, Vasco, “O
Contencioso administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina 2018
[3] CADILHA, António, “Os
poderes de pronúncia jurisdicionais na ação de condenação à prática do ato
devido”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia” Volume
II, Coimbra Editora, 2010
[4] Aroso de Almeida, Mário, “Manual
de Processo Administrativo”, Almedina, 2013
[5] Aroso de Almeida, Mário, “Manual
de Processo Administrativo, Almedina, 2013
[6] Aroso de Almeida, Mário, ”Manual
de Processo Administrativo, Almedina, 2013
Nuno Pires (nº 57311)
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