O novo regime
dos efeitos suspensivos no âmbito do contencioso pré contratual – a questão do efeito
suspensivo automático da impugnação de atos de adjudicação
1.
Convém
dizer, a título de breve introito, que procuramos, com este trabalho, analisar o
regime jurídico do contencioso pré-contratual no Código do Processo dos
Tribunais Administrativos (doravante CPTA). Mais concretamente, a figura do
efeito suspensivo automático, enquadrada pelo artigo 103.º-A, procurando
perceber quando pode ser levantado e que critérios de ponderação devem estar
subjacentes a esse levantamento.
2.
Para
enquadrar este tema, há que perceber, antes de mais, que o disposto no artigo
103.º-A é resultado do labor interventivo de harmonização do legislador europeu,
em específico, da diretiva 2007/66/CE – por Portugal transposta no DL n.º
131/2010 - que veio, à época, como tantas anteriores, regular matéria de
contratação pública. Este era um assunto que causava especiais preocupações, acima
de tudo, pela gritante inoperância da tutela dos particulares, nos vários
Estados-membros, em sede de procedimentos pré-contratuais. Neste ímpeto
reformador, a diretiva em questão tinha três essenciais objetivos: 1) estancar
os inúmeros ajustes diretos ilegais; 2) pôr travão ao fenómeno da corrida à
assinatura do contrato; 3) e finalmente, resolver a ineficácia da tutela
pós-contratual, principalmente, no tocante a dificuldades probatórias de
ilegalidades durante o procedimento. Para além da privação de efeitos do contrato,
nas palavras de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, viabilizou-se um momento de standstill, no período que medeia entre
a adjudicação e a celebração do contrato - que deveria ser de 10 dias - para
que os eventuais interessados pudessem arguir a existência de ilegalidades cometidas
durante o procedimento de formação do mesmo.
3. Apesar
de tudo, a verdade é que não transpusemos, na íntegra, mas apenas parcialmente,
a Diretiva 2007/66/CE. De facto, o seu artigo 2.º/3, não foi acolhido no nosso
ordenamento jurídico. Rezava assim o 2.º/3: “Caso seja interposto recurso de uma decisão de
adjudicação de um contrato para um órgão que decida em primeira instância,
independente da entidade adjudicante, os Estados-Membros devem assegurar que a
entidade adjudicante não possa celebrar o contrato antes de a instância de
recurso ter tomado uma decisão, quer sobre o pedido de medidas provisórias,
quer sobre o pedido de recurso…”. Só oito anos mais tarde, com o DL n.º
214-G/2015 de 2 de outubro é que surgiu o artigo 103.º-A do CPTA, que veio
prever a suspensão automática dos efeitos do ato impugnado ou a suspensão do
contrato, se este já tiver sido celebrado, sempre que uma ação de contencioso
pré-contratual tenha por objeto a impugnação de atos de adjudicação.
4.
Quanto
ao efeito suspensivo automático em si, o artigo 103.º-A do CPTA parece querer
remeter o efeito suspensivo ao momento da propositura da ação, havendo, quando
a este aspeto, alguma discussão doutrinária. RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA afirma
que este efeito deve ocorrer aquando da citação do réu, visto que o dever de
não praticar quaisquer atos por parte da entidade demandada e
contrainteressados só se pode conceber depois do seu conhecimento da ação. Em
sentido contrário, e de acordo com a letra da lei, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, que afirma
que andou bem o legislador, uma vez que os atos continuam a produzir efeitos
até à citação. No nosso entender, parece-nos discutível afirmá-lo, visto que
tal implicaria que não houvesse, até lá, qualquer efeito suspensivo. Certo é
que este efeito significaria, de acordo com a nossa interpretação da lei, que o
ato impugnado deixa de produzir quaisquer efeitos ab initio, ficando o contrato
por outorgar até decisão judicial ou, uma vez celebrado, com a execução
suspensa. Para que tal aconteça, teriam que estar preenchidos quatro
requisitos, a saber: 1) temos de estar perante ação de contencioso
pré-contratual; 2) cujo objeto seja a impugnação de um ato de adjudicação; 3)
relativo a procedimentos aos quais seja aplicável o artigo 95.º/3 ou 104.º/1 a)
do CCP; 4) e a ação tem de ser proposta no prazo de 10 dias úteis contados
desde a notificação da adjudicação a todos os concorrentes. O artigo 103.º-A
vem, apesar de tudo, no seu número 2, consagrar o levantamento do efeito
suspensivo durante a pendência da ação. É uma “arma” processual ao alcance da
entidade demandada e dos contrainteressados que, apesar de não ter natureza
cautelar, é entendida como cautelar quanto aos efeitos por alguma
jurisprudência.
5.
Em
suma, foi com o intuito de simplificar a redação do artigo 103.º-A, surgiu a
Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que veio remeter o efeito suspensivo automático
para as ações de contencioso pré-contratual que tenham por objeto a impugnação
de atos de adjudicação relativos a procedimentos em que seja aplicável o
período de standstill, ou melhor
dito, aos procedimentos com publicidade internacional. Ademais, têm as
referidas ações de ser propostas, impreterivelmente, dentro do prazo de 10 dias
úteis, sob pena de não aproveitarem do efeito suspensivo automático supra
aludido. Assim, a impugnação judicial deixou de suspender sempre, de forma
automática e extensível a qualquer tipo de procedimento pré-contratual e
momento de propositura da ação, os efeitos do ato de adjudicação.
6.
Em
relação a este tema e, em jeito de conclusão, parece-nos sobejamente pertinente
conhecer a opinião da regência, em particular, relativamente ao levantamento do
efeito suspensivo. De facto, VASCO PEREIRA DA SILVA é um crítico acérrimo deste
levantamento, pois entende que este só deveria ser possível após uma sentença
do Tribunal. O professor critica, acima de tudo, o prazo para a propositura da
ação, uma vez que pensa que, ao estabelecê-lo, vem retirar-se “qualquer sentido
útil à garantia do efeito suspensivo – “standstill”- alegando que tal possa ser
até uma violação da legislação europeia.
Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 3.ª edição, Almedina, 2017.
SILVA, Duarte Rodrigues, O
levantamento do efeito suspensivo automático no contencioso pré-contratual no
quadro da proposta de alteração ao CPTA, in Revista de Direito Administrativo Ano I, n.º 3, AAFDL
Editora, 2018
SILVA, Duarte Rodrigues, O levantamento do efeito suspensivo automático no contencioso
pré-contratual, in Cadernos
Sérvulo de Contencioso Administrativo e Arbitragem, n.º 01/2016.
Turma A, Subturma 5
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