O regime especial da suspensão de eficácia das normas regulamentares
O
regime da suspensão de eficácia das normas regulamentares acaba por trazer à
colação, principalmente, os artigos 128.º, 130.º e 73.º do Código de
Procedimento dos Tribunais Administrativos, doravante denominado somente como
CPTA. Esta problemática acaba por suscitar primeiramente a admissibilidade de
impugnação de regulamentos administrativos, nomeadamente, no que toca à sua natureza e em que medida as suas normas ou o documento como
um todo podem ser objeto de impugnação nos processos administrativos.
Os regulamentos internos foram matéria de debate na doutrina que se dividiam quanto à natureza jurídica das suas normas: se estávamos ou não perante um ato administrativo, na medida em que, a impugnação de atos e normas administrativos requer que sejam cumpridos requisitos para a sua impugnação. É inegável que como interpretado pela doutrina mais especificamente por meio do artigo 135.º do CPA[1], o regulamento é um ato jurídico, e portanto, normas materiais, de caráter geral e abstrato[2]. Tendo esse caráter, os regulamentos podem possuir um conteúdo jurídico, geral e abstrato que reportam-se à um grupo de indivíduos indeterminados[3]. Por isso é que está dentro do artigo 72.º do CPTA as normas regulamentares, já que o artigo nos fala que “a impugnação de normas no contencioso administrativo tem por objeto a declaração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo”, e assim, podem englobar tanto os atos jurídicos regulamentares como as normas administrativas. Ademais, o artigo 72.º do CPTA deve ser interpretado em concordância com o artigo 268.º/5 da CRP que legitima à nível constitucional a tutela dos particulares de impugnarem normas regulamentares quando delas resulte um prejuízo aos seus direitos ou interesses legalmente protegidos[4]
Dessa forma, é inerente ao CPA e ao CPTA que tais normas regulamentares podem e devam ser impugnadas quando está em causa a lesão de direitos protegidos dos particulares. No entanto, esses mesmos particulares, em algumas situações, necessitam de uma tutela jurisdicional efetiva dos tribunais mais rápidas e imediatas, nas quais é necessário que o ato administrativo seja suspenso. É com esse objetivo que o regime previsto no artigo 128.º do CPTA (por remissão direta do artigo 130.º/4 do CPTA)[5] nos fala de um regime especial de suspensão de eficácia de normas regulamentares. Cabe-nos analisar em que termos esse processo é admitido e processado.
Este artigo consagra a suspensão ope legis do ato administrativo por força da apresentação de requerimento de concessão de providência cautelar de suspensão de eficácia desse mesmo ato[1]. Os efeitos do artigo 128.º/1 são a proibição provisória de execução do ato administrativo por parte da entidade pública ou de terceiros interessados, mas a letra da lei ainda deixa dúvidas sobre a definição exata do momento a partir do qual a Administração se encontra vinculada a não executar o ato administrativo pela letra da lei dizer “recebido o duplicado do requerimento”, ou seja, após a citação das partes (artigo 116.º). Por isso a interpretação da doutrina e jurisprudência após a reforma de 2015 foi no sentido de, sendo requerida junto dos tribunais administrativos a suspensão de eficácia de certo ato administrativo, e uma vez recebido o duplicado do respetivo requerimento, a administração não pode iniciar ou prosseguir a correspondente execução (é o chamado efeito suspensivo automático), a menos que, no prazo de 15 dias, emita aquela resolução fundamentada, na qual apresenta as razões pelas quais tal efeito suspensivo automático não deve manter-se por ser gravemente prejudicial para o interesse público.[2]Ora, essa solução foi muito criticada pela doutrina por exagero garantístico e no mesmo entendimento, Mário Aroso de Almeida, diz que “talvez seja de admitir que a consagração, neste domínio, de um efeito suspensivo automático, apenas dependente da condição de que o requerimento não se apresentasse manifestamente inviável, podia ser excessiva”.
Na minha opinião não parece, à primeira vista,
ser excessivo conferir essa suspensão automática da execução dos atos previstos
nos artigos 130.º/1 e 128.º /1 do CPTA com efeitos circunscritos ao caso por
estarmos perante um procedimento cautelar. Esta solução parece estar justificada,
uma vez que, não está em causa uma decisão final e sim uma apreciação primária
de que há danos ou prejuízos a serem causados por aquela norma especificamente.
A questão torna-se controversa quando contrapomos esta solução com a do artigo 130.º/2
do CPTA que dá poderes à órgãos da administração, nomeadamente, o Ministério
Público e as pessoas e entidades referidas no n.º 2 do artigo 9.º poderem pedir
a suspensão, com força obrigatória geral, dos efeitos de qualquer norma em
relação à qual tenham deduzido ou se proponham deduzir pedido de declaração de
ilegalidade com força obrigatória geral. Ou seja, há um tratamento diferenciado
dos efeitos quando estamos perante os particulares. Dessa forma, a eficácia
automática após a citação aquando da providência cautelar de normas contidas em
regulamentos parece não poder ser justificada com o argumento acima (de não
estarmos perante uma decisão final), já que a própria lei concede eficácia
obrigatória geral quando o requerimento de suspensão de eficácia é feito por
entidades públicas.
Portanto, podemos concluir que, as disposições do
artigo 130.º número 1 e 2 parecem ser controversas e se ainda, admitirmos estarmos perante o mesmo fundamento
administrativo da garantia da tutela jurisdicional efetiva, não há fundamento
para que o pedido de suspensão de eficácia das normas regulamentares, possuam
efeitos diferentes quando são intentados pelo Ministério Público ou por
particulares, quando a lei claramente concede um regime mais benéfico
para o primeiro.
[1] PAÇÃO,JORGE. “Breves notas sobre os regimes especiais de tutelar
cautelar no Código de Processo nos Tribunais Administrativos revisto”. Revista
de Direito Público online. VOL. 3 Nº 1, ABRIL 2016.
[2] Guerra da Fonseca, Rui. "A suspensão de eficácia de actos administrativos no projecto de revisão do código de processo nos tribunais administrativos". Vol. 1, nº 2. Junho de 2014. Conferência da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa intitulada "A Reforma do Direito Processual Administrativo"
[1] DIOGO FREITAS DO AMARAL, “Curso de Direito Administrativo”-Vol.
II-Coimbra-2011-p. 177 e seg.
[2]Entendimento da jurisprudência do STA (Ac. 15-9-91 e Ac 9-4-81) quer
o Tribunal Constitucional (Ac nº 80/86 3e Ac nº 24/98) coincidem na
materialidade do conteúdo dos regulamentos.
[3] MARIO AROSO DE ALMEIDA “O Novo regime do Código do Procedimento
Administrativo”-Coimbra-2015.
[4] “Contencioso das Normas Regulamentares”, Jurisdição Administrativa
e Fiscal. Estudos do CEJ, maio 2020- p.29 e seg.
[5] Artigo 130.º/4 nos diz que: “Aos casos previstos no presente artigo
aplica-se, com as adaptações que forem necessárias, o disposto no capítulo I,
nos artigos 128.º e 129.º e no n.º 3 do artigo 81.º”
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