Processos com Andamento Prioritário Reforço ou Diminuição da tutela jurisdicional efetiva

Processos com Andamento Prioritário 

Reforço ou Diminuição da tutela jurisdicional efetiva

No artigo 48º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos está sedeado um mecanismo de agilização processual denominado “seleção de processos com andamento prioritário”[1].

Ao contrário do que ocorre na apensação de processos, no instituto descrito no Art.º 48º ocorre uma seleção de processos especialmente representativos, aos quais será atribuída uma tramitação de índole urgente, ficando os processos não selecionados a aguardar a decisão do “processo (s) -piloto” por um colégio jurisdicional ah hoc. O tribunal decidirá oficiosamente a extensão dos efeitos da decisão proferida naquele último aos processos suspensos.[2]

Ora, a grande questão que se coloca relativa a este mecanismo é saber se a suspensão da maioria dos processos não provocará uma violação de Direito à tutela efetiva e do princípio da igualdade. Tendo em conta o estudo já efetuado sobre este instituto, e antes de tecer considerações sobre o regime plasmado no artigo 48º CPC, parece-nos que, à primeira vista, temos um problema centrado numa contradição – um “dá e tira” de Direitos. A olho nu, caso os tribunais não sigam minuciosamente uma série de trâmites antecedentes à aplicação deste regime, poderemos cair numa perigosa violação da tutela dos sujeitos.

O regime 

O mecanismo estabelecido no artigo 48º CPTA contém três pressupostos de aplicação positiva e um de aplicação negativa, que terão de se verificar cumulativamente.

Terá de existir um número mínimo de onze processos pendentes (devendo ser considerados todos os tribunais administrativos nacionais – 48º\6 CPTA). O legislador estabelece um critério objetivo e fechado para definir um patamar a partir do qual se deva considerar uma situação de massificação processual. Carla Amado Gomes e Diogo Calado consideram que este critério é desnecessário, propondo uma solução que atribuísse ao Presidente do tribunal administrativo em causa (ou STA – 48º\7 CPTA) a competência para proceder a uma análise casuística das ações pendentes que fossem materialmente conexas, onde aferisse mediante certos critérios legais[3] as situações em que se justificaria promover a aplicação do mecanismo de agilização do 48º CPTA[4]

As ações propostas devem versar sobre, a mesma relação jurídica material[5]; ou ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo sejam: suscetíveis de envolver a aplicação das mesmas normas; a situações de facto do mesmo tipo (48º\1 CPTA).

Compreende-se perfeitamente a exigência de uma conexão material, pois vem pressupor ações que poderiam ter sido propostas conjuntamente, pois teriam tramitação e decisão idêntica, o que vem ser revelante, tendo em conta que a decisão proferida para o processo-piloto irá ser estendida aos processos suspensos.

É necessário que estejam em causa pronúncias da mesma entidade administrativa (48º\1 CPTA). Para definir o alcance e conteúdo desta fórmula teremos de ter em conta o Direito Administrativo substantivo, e o Direito Processual Administrativo – Teremos de ter em atenção o caso dos ministérios, que deveram ser demandados diretamente quando estejam em causa atos praticados pelos órgãos que os integram (10º\2 CPTA). Quando as pronúncias se referem a diferentes ministérios, não obstante a situação de facto ser do mesmo tipo e ser suscetível a aplicação das mesmas normas, considera-se, pelo 10º\2 CPTA, que estamos perante entidades diferentes, não se poderá aplicar o 48º CPTA.

Finalmente, não pode existir uma limitação do âmbito de instrução, deve ser assegurado que a causa é “debatida em todos os seus aspetos de facto e de direto”, caso contrário estamos a violar o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva das partes que viram os seus processos suspensos.

A aplicação 

Da aplicação no inscrito no artigo 48º decorre que as ações que serão selecionados vão seguir um processo urgente (48º\8 e 36º\4 CPTA). O desencadear deste processo irá, igualmente, desencadear a tramitação do processo-piloto, e suspender a tramitação dos demais (48º\1 CPTA), salvo oposição dos autores (48º\5) – o mesmo não ocorre relativamente às providências cautelares, apenas se suspende o processo principal.[6]

As partes das ações suspensas deverão ser ouvidas antes da decisão de suspensão, sendo o momento oportuno para expor a sua discordância. Os autores[7] não consideram que exista um direito de “veto” destes autores à aplicação do regime, à luz do 48º será sempre devolvida ao tribunal a análise dos pressupostos legais do instituto, a decisão sobre a sua mobilização, e ainda a seleção de causas, que ao seu abrigo devem ser suspensas e às quais deve ser dado andamento prioritário.

Aos autores dos processos-pilotos irá aproveitar o caso julgado, decidindo o juiz oficiosamente a sua extensão aos processos suspensos, caso no prazo de trinta dias não tenham desistido dos pedidos, nem interposto recurso (este recurso apenas produz efeitos apenas relativamente ao caso de quem interpôs o recurso) – 48º\5 CPTA.

O artigo 48º\1 do CPTA refere que “… o presidente deve determinar, ouvidas as partes, que seja dado andamento apenas a um deles e suspenda a tramitação dos demais…”. Parece haver, desde 2015 um dever de seleção de processos com andamento prioritário. Embora não seja claro quais as consequências decorrentes deste incumprimento. Parece-nos que o legislador pretendeu promover a mobilização desta figura por parte dos tribunais administrativos, a revisão de 2019 introduziu novas alterações com vista a promover a agilização deste processo.

Considerações

Como referimos acima a má aplicação deste instituto pode levar a uma violação de Direitos fundamentais. 

Como refere o nº3 do artigo 48º CPTA o tribunal deve certificar-se são debatidos todos os aspetos de facto e Direito, não se podendo limitar o âmbito de instrução. Para tal ocorrer é necessário que o processo-piloto seja exemplar e ilustrativo de todos aqueles que foram instaurados relativos à relação jurídica material em causa, que sejam suscetíveis de decisão com base na aplicação das mesmas normas a situação de facto do mesmo tipo.

É exigido ao tribunal um especial dever de cuidado na recolha da amostragem, caso os processos escolhidos não sejam ilustrativos de todas as ações propostas não só fará com que o instituto não funcione, como irá por em causa a tutela jurisdicional efetiva das partes dos processos suspensos, gerando resultados inaceitáveis. Os processos deverão ser analisados individualmente para garantir que não são deixados de fora nenhuns factos ou argumentos de Direito.

Daí ser permitida a escolha de mais de um processo-piloto, de modo a ampliar a amostragem para que seja possível abranger todos os aspetos de facto e de Direito necessários, que serão apensados num único processo.

Caso no processo-piloto não sejam alegados factos que permitam declarar a ação procedente levando à absolvição da entidade administrativa, mas numa das ações suspensas tiverem sido alegados factos que levariam à procedência da ação, teríamos aqui uma situação inaceitável. 

A parte frustrada poderá sempre recorrer da decisão-piloto (48º\9 CPTA), mas este recurso traduz-se apenas numa forma de reação contra uma decisão jurisdicional que a parte entende ser ilegal, ou conter erros de julgamento. Será difícil à parte suspensa estruturar um juízo de ilegalidade contra a decisão piloto, porque a mesma se limitou a dar como provados os factos alegados pela parte no processo-piloto, estando-lhe vedado, por intermédio do Princípio do Dispositivo, dar como provados outros factos que não os alegados pelas partes, mesmo que essenciais para fundar uma procedência da ação e condenação da ré. Compreende-se que este recurso seja uma arma ineficaz para a parte do processo suspenso, por não existirem erros ou ilegalidades a apontar à decisão-final do processo-piloto.

Este momento de decisão do processo-piloto é essencial para garantir que o mecanismo de seleção de processos com andamento prioritário ocorre de forma correta. Será neste momento que se trava a violação dos Direitos fundamentais à tutela efetiva e igualdade. A escolha acertada do processo-piloto (ou processos) cumprirá a função do mecanismo, a maior celeridade dos processos administrativos, naturalmente a tramitação de um processo-piloto (um único processo), de tramitação urgente, será mais célere do que a apreciação de todos os processos suspensos. Um processo mais célere reforçará a tutela jurisdicional dos autores.

Bibliografia

Carla Amado Gomes e Diogo Calado, “O Regime da Seleção de processos com Andamento Prioritário: reflexões e incertezas”, Comentários à Legislação Processual Administrativa, 4ª edição, Lisboa, 2020

Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I”, Almedina, 2006

Ricardo Pedro e António Mendes de Oliveira, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos – Anotação à Lei 118\2019, de 17 de setembro, Coimbra, 2019



[1] Antes da revisão de 2015 designava-se “processos em massa”, a renomeação adveio da necessidade de distinguir este processo do inscrito no Art.º 99º CPC “contencioso dos procedimentos de massa”.

[2] Carla Amado Gomes e Diogo Calado, “O Regime da Seleção de processos com Andamento Prioritário: reflexões e incertezas”, Comentários à Legislação Processual Administrativa, 4ª edição, Lisboa, 2020 

[3] Critérios legais de celeridade, eficiência e afinidade material.

[4] Solução vigente em Espanha (artigo 37 da Ley 29\1998, de 13 de julho, com redação dada pela Ley 13\2009, de 3 de novembro).

[5] Também é um citério da cumulação de pedidos (4º\1\a CPTA), e da coligação (12º CPTA).

[6] Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I”, Almedina, 2006.

[7] Carla Amado Gomes e Diogo Calado



Sofia Duarte Tavares , 58418 (5TA)

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