SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO

 

         No dia 14 de novembro de 2020, contrariando a regra de proibição de circulação na via pública entre as 13h e as 5h, constante do decreto de regulamentação do estado de emergência (art. 3º., nº. 1, do Decreto 8 / 2020, de 8 de novembro), teve lugar uma manifestação em Lisboa, no Terreiro do Paço, convocada pelo autodenominado grupo “Pão e Vinho”, constituído por um grupo de empresários e trabalhadores da restauração e turismo, que ocorreu entre as 12h 30m e as 16h. Os promotores da manifestação protestam contra as suspensões de direitos constantes do estado de emergência, que acusam de promover a falência das empresas e o despedimento dos trabalhadores. Os manifestantes contestam ainda a proporcionalidade das medidas constantes da referida declaração, que são manifestamente mais gravosas para eles do que para os outros setores de atividade. Queixam-se também da violação do princípio de igualdade pois, segundo eles, nomeadamente “os mercadinhos e as pequenas superfícies de venda de alimentos também vendem refeições e não estão sujeitos às limitações do “take-away”. Na sequência da manifestação, e para a defesa dos argumentos aí invocados, os promotores do movimento “Pão e Vinho” decidem ir a tribunal, para impugnar a decisão governamental regulamentadora do estado de emergência, que entendem ser violadora da Constituição. 


A esta ação judicial se associa o dono da conhecida cadeia de hipermercados “Pingo de Loucura”, que tinha antes programado organizar uma “Grande Festa das Compras dos Sábados e Domingos do Confinamento”, que incluía uma “Happy Hour” entre as 6h 30m e as 8h da manhã, com descontos de 60%  em todos os produtos. De acordo com o dono desta cadeia de hipermercados, também os estabelecimentos de venda de alimentação são discriminados e tratados de forma desproporcional pela generalidade das medidas constantes do estado de exceção. Acrescenta mesmo que “as grandes superfícies são duplamente discriminadas”, pois a Resolução do Conselho de Ministros de 12 de novembro (nº. 96-B/2020) apenas permite o funcionamento, a título excecional, durante os fins-de-semana em que o condicionamento se estende ao período diurno, dos estabelecimentos de venda de bens alimentares com “área igual ou inferior a 200 metros quadrados”. Ora, segundo ele, tal limitação não encontra “base legal” nem no Decreto de declaração de estado de emergência “limitado e preventivo” do Presidente da República (Dec. nº 51-U/2020, de 6 de novembro), nem no Decreto regulador do mesmo estado de emergência pelo Governo (8/2020, de 8 de Novembro), pelo que é manifestamente ilegal e não pode ser imposta por simples Resolução do Conselho de Ministros. Assim, ao pedido de impugnação das normas do estado de emergência, também apresentado pelos promotores do grupo “Pão e Vinho”, cumula também um pedido condenatório de indemnização por perdas e danos causados às grandes superfícies.


Por seu lado, o Governo lamenta os prejuízos causados a toda a população decorrentes do estado de emergência e considera que as medidas tomadas são absolutamente indispensáveis na atual situação de pandemia, para além de cumprirem integralmente todos os requisitos constitucionais e legais


Quid iuris?


Nota: A presente Simulação de Julgamento é uma hipótese meramente académica, pelo que qualquer semelhança com fatos e circunstâncias da vida real é simples coincidência.  

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